Pedagogia Nagô
Por Cris Capuano
Nascidas em terreiros de candomblé, duas escolas-modelo rompem as barreiras do preconceito, sob as bênçãos dos deuses africanos, elas contam e fazem história para transformar a realidade de meninos negros de Salvador.
Na porta
da escola municipal Eugenia Anna dos Santos, no bairro de São Gonçalo,
periferia da cidade de Salvador, Iara Braga trata logo de se apresentar: “Meu
nome quer dizer mãe das águas. Tem um bocado delas lá no barracão”. Há três
anos, Iara estuda no Ile Axé Opô Afonjá, um dos primeiros terreiros de
candomblé da Bahia, fundado em 1910. Nos últimos tempos, Iara anda mais
interessada em uma galinha-d’angola, que na África recebe o nome de conquem.
“No início do mundo, tinha todos os bichos. Só
a conquem que vivia ciscando e olhando só para o que fazia. Passava o dia todo
reclamando: ‘Tô fraca! Tô fraca! ’. Um dia, ela mesma viu que precisava mudar.
Então, procurou Oluow”, conta a menina, não sem antes acrescentar que Oluow é
um sábio conselheiro africano. O colega Raí de Assis logo se mete na conversa:
“O Oluow falou para a conquem que o problema era o jeito que ela tratava os
outros. Aí a ensinou a dizer palavras mágicas”, instiga. Palavras mágicas?
“A conquem viu a cajazeira e deu bom dia: ‘Kuawró’! E ela respondeu: ‘Kuawró ô!’”, interrompe uma menina de tranças coloridas. “Depois viu dois passarinhos e pediu licença: ‘Ago’! E eles deram passagem, dizendo ‘Ago yá’”, retoma a história Iara, apontando para a frase colada na parede. Contar e vivenciar histórias iorubanas faz parte do currículo das 350 crianças alfabetizadas na escola de Maria Stella de Azevedo Santos, uma das mais respeitadas iyalorixás da Bahia.
Nascida informalmente na década de 70 como uma creche, a escola é hoje a maior referência na aplicação de uma disciplina que, em 2003, virou lei: o ensino da cultura africana. Isso em condições adversas: segundo estatísticas do Ministério da Educação (MEC), a Bahia está na última posição do ranking de educação, em um país que despencou para a 94ª posição da lista mundial. “Não trabalhamos com candomblé, mas com a busca das raízes africanas, sua valorização e respeito”, tenta explicar a vice-diretora da escola, Iraildes Santos Nascimento. “Existe uma tendência, até por parte dos educadores, de associar a cultura africana só à religiosidade”, afirma Ana Paula Gonçalves da Silva, uma das dezesseis pedagogas que dissertaram teses sobre o projeto pedagógico da escola Eugenia Anna, chamado Ire Ayó (caminho da alegria, em iorubá).
Baseada na leitura e vivência de mitos africanos, esse método de ensino nagô tem à frente a historiadora Vanda Machado, doutora em educação e pesquisadora há 33 anos da cultura africana. As histórias são adaptadas de suas memórias de infância, vivida em um engenho de açúcar no Recôncavo, e do que ela costuma chamar de “arquivo vivo do Opô Afonjá”. “No terreiro de candomblé, o comportamento das pessoas da comunidade também é ditado por esses mitos, contados pelos mais velhos para orientar nossas diretrizes”, compartilha.
“A conquem viu a cajazeira e deu bom dia: ‘Kuawró’! E ela respondeu: ‘Kuawró ô!’”, interrompe uma menina de tranças coloridas. “Depois viu dois passarinhos e pediu licença: ‘Ago’! E eles deram passagem, dizendo ‘Ago yá’”, retoma a história Iara, apontando para a frase colada na parede. Contar e vivenciar histórias iorubanas faz parte do currículo das 350 crianças alfabetizadas na escola de Maria Stella de Azevedo Santos, uma das mais respeitadas iyalorixás da Bahia.
Nascida informalmente na década de 70 como uma creche, a escola é hoje a maior referência na aplicação de uma disciplina que, em 2003, virou lei: o ensino da cultura africana. Isso em condições adversas: segundo estatísticas do Ministério da Educação (MEC), a Bahia está na última posição do ranking de educação, em um país que despencou para a 94ª posição da lista mundial. “Não trabalhamos com candomblé, mas com a busca das raízes africanas, sua valorização e respeito”, tenta explicar a vice-diretora da escola, Iraildes Santos Nascimento. “Existe uma tendência, até por parte dos educadores, de associar a cultura africana só à religiosidade”, afirma Ana Paula Gonçalves da Silva, uma das dezesseis pedagogas que dissertaram teses sobre o projeto pedagógico da escola Eugenia Anna, chamado Ire Ayó (caminho da alegria, em iorubá).
Baseada na leitura e vivência de mitos africanos, esse método de ensino nagô tem à frente a historiadora Vanda Machado, doutora em educação e pesquisadora há 33 anos da cultura africana. As histórias são adaptadas de suas memórias de infância, vivida em um engenho de açúcar no Recôncavo, e do que ela costuma chamar de “arquivo vivo do Opô Afonjá”. “No terreiro de candomblé, o comportamento das pessoas da comunidade também é ditado por esses mitos, contados pelos mais velhos para orientar nossas diretrizes”, compartilha.
Black Power
Na
Liberdade, bairro com 80% de moradores afrodescendentes, outra escola é exemplo
no ensino do poder negro. Na quarta-feira, os alunos da escola Mãe Hilda,
instalada na sede do Ilê Aiyê, no Curuzu, saem de suas salas de aula para
visitar a “roça”. É no terreiro de Hilda Dias dos Santos, mentora espiritual do
grupo afro, que eles aprendem a agir contra o racismo e fortalecer a autoestima.
“Agressão, a gente responde com filosofia”, ensina a matriarca de 84 anos.
Sexta-feira, em compensação, é dia de homenagear Oxalá, e substituir a camiseta
amarela do uniforme por outra, toda branca. Um dos diferenciais do Ilê é o uso
de cadernos pedagógicos produzidos pela instituição. Para Hildelice Benta dos
Santos, filha de Mãe Hilda e diretora da escola, a maior dificuldade está no
material didático. “Lendo histórias da Branca de Neve, nossas crianças ficam
presas no mundo estético dos brancos”, lamenta. O Ilê Aiyê, não é o único a se
preocupar com a educação. No último ano, quem abriga uma escola municipal de
ensino – e faz bonito na aplicação da lei 10.639 – é o Malê Debalê, em Itapuã.
Na escola Eugenia Anna, as histórias míticas falam de outras princesas, além de folhas mágicas e animais falantes. Para Vanda Machado, essa é a melhor forma de aproximar as crianças de suas raízes africanas e fazer com que elas mesmas reconstruam, com os valores ancestrais de companheirismo, respeito e solidariedade, sua personalidade. São as “pistas para as potencialidades espirituais da vida humana”, que, já na década de 90, citava Joseph Campbell (O Poder do Mito, ed. Palas Athenas). Nada tão complicado.
“Continuamos vivendo os valores da cultura negra em todos os seus aspectos”, acredita a educadora, que já orientou dezesseis teses de mestrado sobre o seu jeito de ensinar. “Minha função, como educadora, é só fazer com que as pessoas lembrem disso e consigam despertar.” Despertar inclusive para chacoalhar o preconceito contra uma das culturas fundadoras da brasilidade. No livro de Vanda, um trecho ilustra o preconceito à religião: “Na década de 70, a Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros e o juizado de menores proibiram a permanência de crianças no barracão durante festas públicas”. Mãe Stella foi a primeira a levantar a voz contra essa arbitrariedade, em entrevista ao Jornal da Bahia, em 1977: “Se em toda religião as famílias encaminham os filhos para sua crença, por que a proibição no candomblé?”.
No barracão, a pequena Iara agora imita sua heroína, contando empolgada o final da transformação da conquem. Tem o corpo todo pintado de bolinhas brancas. “O velho pintou com o pó mágico, porque a conquem o tratou bem”, conclui Iara. Mas uma vez, ela parece não se importar com o nome do velhinho (nos livros de Vanda Machado, pode ser que descubra que ele é Oxalá, o orixá mais velho e respeitado no panteão africano). A conclusão de Mãe Stella, em sua inabalável postura de rainha, é tão simples quanto a de Iara, ou tão pontual quanto as bolinhas brancas da ave predileta desse deus iorubá: “Querendo, todo ser humano pode se transformar”.
Na escola Eugenia Anna, as histórias míticas falam de outras princesas, além de folhas mágicas e animais falantes. Para Vanda Machado, essa é a melhor forma de aproximar as crianças de suas raízes africanas e fazer com que elas mesmas reconstruam, com os valores ancestrais de companheirismo, respeito e solidariedade, sua personalidade. São as “pistas para as potencialidades espirituais da vida humana”, que, já na década de 90, citava Joseph Campbell (O Poder do Mito, ed. Palas Athenas). Nada tão complicado.
“Continuamos vivendo os valores da cultura negra em todos os seus aspectos”, acredita a educadora, que já orientou dezesseis teses de mestrado sobre o seu jeito de ensinar. “Minha função, como educadora, é só fazer com que as pessoas lembrem disso e consigam despertar.” Despertar inclusive para chacoalhar o preconceito contra uma das culturas fundadoras da brasilidade. No livro de Vanda, um trecho ilustra o preconceito à religião: “Na década de 70, a Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros e o juizado de menores proibiram a permanência de crianças no barracão durante festas públicas”. Mãe Stella foi a primeira a levantar a voz contra essa arbitrariedade, em entrevista ao Jornal da Bahia, em 1977: “Se em toda religião as famílias encaminham os filhos para sua crença, por que a proibição no candomblé?”.
No barracão, a pequena Iara agora imita sua heroína, contando empolgada o final da transformação da conquem. Tem o corpo todo pintado de bolinhas brancas. “O velho pintou com o pó mágico, porque a conquem o tratou bem”, conclui Iara. Mas uma vez, ela parece não se importar com o nome do velhinho (nos livros de Vanda Machado, pode ser que descubra que ele é Oxalá, o orixá mais velho e respeitado no panteão africano). A conclusão de Mãe Stella, em sua inabalável postura de rainha, é tão simples quanto a de Iara, ou tão pontual quanto as bolinhas brancas da ave predileta desse deus iorubá: “Querendo, todo ser humano pode se transformar”.
Na escola
Eugenia Anna, é dia de festa. As crianças representam,
para os pais, o que
aprenderam com um mito africano: companheirismo,
iorubá e cultura ancestral; na
foto da direita, Mãe Stella.
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Fotos/Márcio
Lima
Fonte: http://revistatrip.uol.com.br/157/candomble/home.htmEscola precisa adotar ações eficientes para diminuir a desigualdade entre brancos e negros
Alexandre Pavan
O dantesco navio negreiro
descrito por Castro Alves afundou em 13 de maio de 1888, quando a princesa
Isabel assinou a Lei Áurea. O ato simbólico, no entanto, não impediu que a
herança de mais de 300 anos de escravidão continuasse ancorada na sociedade
brasileira e se abalroasse com o século XXI. Mais de cem anos após a Abolição
da Escravatura, os negros brasileiros continuam atracados na luta por ascensão
social e melhores condições de vida. Nesse mar de desigualdades, a escola
deveria ser um porto seguro para a nau da tolerância e fraternidade. Mas tanto
nas salas de aula quanto no mercado de trabalho, um oceano de ignorância e
injustiça separa brancos e negros no Brasil. Hoje, a prova disso não está nas
chibatas, mas nos números, que também estalam.
De acordo com dados do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2% do corpo discente das universidades
brasileiras - públicas ou privadas - é formado por estudantes negros. Segundo
estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1999, a taxa de
analfabetismo é três vezes maior entre negros. E mais: jovens brancos, aos 25
anos, têm, em média, 8,4 anos de estudos, quando negros da mesma idade têm a
média de 6,1 anos. Pelo IBGE, 5,4% dos brasileiros declaram-se pretos e 39,9%,
pardos. A população negra, que inclui pretos e pardos, corresponde a 45,3% no
Brasil.
No ensino fundamental, o que as
pesquisas revelam também é um açoite. Os números se referem à "taxa de
escolaridade líquida", indicando, numa determinada faixa etária, a quantidade
de estudantes matriculados no nível escolar adequado. De acordo com o Ipea,
entre os 25% mais pobres do país, 44% dos brancos entre 11 e 14 anos estão
entre a quinta e oitava séries do ensino fundamental. Na população negra, o
índice é ainda mais baixo: 27%.
As histórias que ilustram tais
números vêm carregadas com a cor do preconceito. Rode Damaris da Silva, de 17
anos, ainda se lembra de como a discriminação marcou sua infância na escola.
"Minha mãe costumava fazer trancinhas no meu cabelo. Quando chegava na
escola, os outros alunos diziam que eu tinha 'caminhos de rato' na cabeça. Eu
tinha medo de reclamar, me afastava dos professores. Ficava no meu canto e
tentava ser uma boa aluna", recorda.
Filha de mãe doméstica e pai
vendedor Rode conta um episódio ocorrido com seu irmão: "Ele estava
conversando durante uma aula e a professora gritou: 'Fica quieto, neguinho’. Como
ela era meio gordinha, meu irmão respondeu: 'Fica quieta você, sua
gorda'." O caso foi parar na diretoria e o pai do aluno foi chamado na escola
- onde só lhe contaram parte da discussão. Repreendendo o filho, perguntou por
que tinha xingado a professora. O menino contou como tinha sido ofendido
primeiro. "Aí meu pai botou a boca no trombone", lembra Rode.
Iniciativa - Há três anos a
jovem frequenta o projeto Geração XXI, uma ação afirmativa fruto da parceria
entre a ONG Geledés - Instituto da Mulher Negra, Fundação BankBoston e Fundação
Cultural Palmares. Participam 21 adolescentes negros, com idade inicial entre
13 e 15 anos, integrantes de famílias com renda per capita entre um e dois
salários mínimos, residentes na cidade de São Paulo. Eles têm seus estudos
custeados da oitava série do ensino fundamental ao término da graduação
universitária. Fora do horário de aulas, esses jovens frequentam a sede do
projeto, onde aprendem inglês, tiram dúvidas do que aprenderam no colégio e
realizam atividades que os fazem se identificar com sua raça. O Geração XXI
ainda agrega um outro programa, destinado a fornecer orientação e apoio às
famílias dos jovens.
Engana-se, e muito, quem pensa
que a jovem Rode teve seus problemas de discriminação solucionados só porque,
apoiada pelo projeto, começou a frequentar escolas particulares. A situação só
mudou porque aprendeu a se defender. "Hoje, eu não sei mais ficar quieta.
Não parto para a ignorância, mas exijo respeito", diz. Num dos primeiros
dias na escola particular, Rode e outras amigas negras, assim que passaram pelo
portão, ouviram o seguinte comentário de um grupo de alunas brancas:
"Nossa, abriram as portas da África.”.
- O que vocês disseram? -
retrucou uma das jovens negras.
- Nada, nada... - se intimidaram
as agressoras.
Gustavo Martins da Silva, 18
anos, colega de Rode na Geração XXI, explica que nem sempre as atitudes
racistas são diretas e o preconceito, evidente: "São situações ocultas,
sempre paira a dúvida. As pessoas ficam te olhando, fazem comentários entre
elas e você não sabe o porquê daquilo.”.
As primeiras semanas de aula no
colégio particular foram assim: "Vinha um, puxava assunto e saía. Depois
outro, que fazia outras perguntas e ia embora. Parecia que tentavam entender o
que eu estava fazendo lá. Deviam pensar 'esse cara não tem dinheiro, será um
bolsista ou o que? '", recorda Gustavo. Outros se aproximavam pronunciando
gírias e puxando conversas descabidas, como quem diz "eu sei qual é a
sua":
- Você mora aonde?
- Em Itaquera.
- Pô, eu frequento favela, Capão
Redondo, vou lá comprar baseado. Mó legal...
- Itaquera não é favela. E eu não
curto maconha.
Para o movimento negro,
sociólogos e outros especialistas, histórias como as de Rode e Gustavo servem
para confirmar sua avaliação de que a escola brasileira - pública ou privada -
ainda não está preparada para lidar com a diversidade de raças, etnias ou
gêneros.
Maria Aparecida da Silva, a
Cidinha, presidente da ONG Geledés e coordenadora do projeto Geração XXI,
acredita que o papel do professor é fundamental para que haja mudanças.
"Os educadores precisam compreender a particularidade da condição racial
dos alunos e assim dar um passo rumo à promoção da igualdade. A exclusão
escolar é o início da exclusão social das crianças negras. O corpo docente, via
de regra, não vê as graves diferenças existentes nos resultados escolares de
crianças negras e brancas, não estabelece relações entre pertencimento racial,
étnico ou gênero e desempenho escolar, e ainda não percebe como isso interfere
na sua própria conduta", avalia.
É a falta de preparo dos
professores, segundo Eliane Cavalleiro, autora do livro Do Silêncio do Lar ao
Silêncio Escolar: Racismo, Preconceito e Discriminação Racial na Educação
Infantil, que contribui para o alto índice de evasão escolar de alunos negros.
"Isso acontece porque eles não estão sendo positivamente aceitos. Eles não
recebem o mesmo tratamento desde o currículo - que não pensa de fato numa
formação histórica do Brasil com a participação da população negra - até as
falas pejorativas que ocorrem frequentemente", argumenta.
O resultado é que muitos acabam
introjetando a rejeição e passam a crer que realmente são inferiores.
"Crianças estão sempre tentando se fazer percebidas por todos dentro da
escola. Porém, as negras são rejeitadas nas brincadeiras, não conseguem formar
pares nas festas e não recebem o mesmo carinho que as brancas da
professora", protesta Eliane. "Com isso elas ficam mais retraídas,
porque sabem que a qualquer momento podem ser ofendidas, com alguém destacando
suas características de negritude de forma negativa. A criança prefere ficar à
parte para evitar o conflito, os xingamentos", completa.
Kabengele Munanga, professor
titular do Departamento de Antropologia da USP, concorda com Eliane: "Um
negro que disser que nunca foi direta ou indiretamente discriminado é um
mentiroso. A não ser que tenha introjetado tanto a discriminação que não
perceba mais a sutileza."
Alexandre Magno Silva, 17 anos,
aluno da segunda série do ensino médio da Escola Estadual Albino César, no
Tucuruvi, zona norte de São Paulo, afirma nunca ter sofrido nenhum tipo de
discriminação - dentro ou fora da escola - por ser negro. "O que existe
são as brincadeiras dos amigos, mas isso não me incomoda", diz. Mas é
Tiago de Moraes, estudante do primeiro ano do ensino médio da Escola Municipal
Rubens Paiva, em Sapopemba, zona leste de São Paulo, quem explica melhor qual é
o "limite suportável" das brincadeiras. "Meus amigos me chamam
de 'negão', e eu levo na boa. O que não aguento é quando estou andando na rua e
alguém fica me tirando, dizendo 'olha só o neguinho, o macaco'". Para ele,
devido ao preconceito e à dificuldade que os negros têm para ascender
socialmente, a discriminação se inverte. "Tenho amigos que, às vezes,
evitam sair com brancos. Talvez pensem que seja uma forma de reverter a
situação. Mas eu não acredito nisso, pois somos todos iguais", comenta.
Preconceito - Tiago também
afirma que nunca foi discriminado na sala de aula: "Pelo menos nunca me
senti sendo tratado diferente pelo professor por causa da minha cor."
Ouvindo as histórias dos amigos, Hayla Garcia, 14 anos, branca, diz não ter
nenhum preconceito de cor. Conta que seus colegas mais próximos são negros e
enfrenta olhares de reprovação por causa das amizades. "Às vezes, até meus
pais julgam as pessoas com quem ando pela aparência e fazem comentários
pejorativos, em tom de brincadeira, a respeito da cor dos meus amigos. Eu chego
a chorar."
Tentando contribuir para a melhor
formação de professores, o Núcleo de Estudos Negros (NEN), de Florianópolis (SC),
tem um programa de educação dedicado à produção de material
didático-pedagógico, como jornais e livros. As publicações são distribuídas nas
escolas da rede municipal por meio de uma parceria com a Prefeitura. "O
professor é o grande fomentador das transformações dentro da sala de aula, ele
é quem faz a intermediação entre escola e sociedade. É preciso que os governos
forneçam instrumentos para que o professor possa discutir a diversidade
estabelecendo estratégias de mudanças", sugere Ivan Costa Lima, coordenador
do NEN.
E como lidar com a
multirracialidade nas escolas particulares, se ali o número de estudantes
negros é praticamente zero? "Na educação pública ou privada, o professor
não deve esperar que surja uma situação racista, discriminatória, para tratar
do assunto. No currículo, no planejamento ou em algum projeto é preciso prever
essa discussão", responde Eliane. De acordo com a educadora, nas escolas
particulares, embora haja poucos negros, os alunos precisam ter consciência de
que estão numa sociedade que tem relações raciais desiguais. "Numa
educação crítica, você deveria pautar seu currículo para questionar essa
desigualdade", afirma.
Essa é a promessa de Ana Maria de
Lima Falqueiro, diretora pedagógica da Escola Internacional de Alphaville, região
da Grande São Paulo, instituição de ensino bilíngue e de alto padrão. Entre
seus 400 alunos, cujos pais pagam, em média, R$ 830 de mensalidade, não há
nenhum negro. "Não termos, neste momento, crianças negras estudando é
circunstancial, porque já tivemos. A ausência delas não interfere em nossa
proposta de trabalho, que é formar cidadãos conscientes da pluralidade do
mundo", defende Ana Maria.
Se não há negros matriculados, há
educadores lecionando, como a professora de inglês Marli Silva Raymundo. Mesmo
com alunos tão pequenos, de educação infantil, ela diz que é fácil
introduzi-los no problema racial. "São crianças que têm muito acesso à
informação em vídeos, livros e, além do mais, suas babás e motoristas
geralmente são negros. Eles convivem com a diferença", aponta. Apesar
disso, frequentemente ela se depara com a pergunta: "Professora, por que
você é dessa cor?" Marli acredita que esclarecer as dúvidas raciais de
crianças dessa faixa etária seja mais tranquilo. "Elas são novas e não vêm
carregando o preconceito que muitas vezes se aprende em casa."
O pensamento anti-racista nunca
esteve tão em evidência. "Estamos num momento importante, em que a
sociedade civil discute mais o tema. Se existe a desigualdade racial,
comprovada não apenas no discurso do movimento negro, mas também pelos
institutos de pesquisa, é fundamental que haja ações políticas", opina
Ivan Lima.
Empresas privadas, multinacionais
principalmente, começaram a incentivar programas de promoção da diversidade, a
exemplo da Xerox, da Levi's e do BankBoston. Na seara pública, a primeira
semente germinou no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Há um ano, todas as
empresas que prestam serviço ao órgão são obrigadas a apresentar 20% de seus
quadros ocupados por negros ou pardos. A mesma regra vale para os cargos de
confiança da pasta.
No Ministério da Justiça, a
política abrange também mulheres e deficientes físicos. E, no início do ano,
Marco Aurélio de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), definiu
que, dos 20 novos contratados para o setor de comunicação do tribunal, quatro
deveriam ser negros. A outra novidade envolve o Instituto Rio Branco, escola de
formação de diplomatas brasileiros. Em 2002, 20 alunos negros receberam bolsas
de estudo para poder se preparar melhor para as provas.
Identidade - No esteio das
ações, em março último, veio a nomeação da professora Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva para ocupar uma vaga no Conselho Nacional de Educação (CNE).
Tornou-se a primeira negra a assumir o cargo. Na época, em entrevista ao jornal
Folha de S.Paulo, declarou que o racismo expulsa a criança negra da escola.
"A questão racial não é exclusiva dos negros. Ela é da população
brasileira. Não adianta apoiar e fortalecer a identidade das crianças negras se
a branca não repensar suas posições. Ninguém diz para o filho que ele deve
discriminar o negro, mas a forma como se trata o empregado, as piadas, os
ditados e outros gestos influem na educação", disse Petronilha.
Outra das 24 cadeiras do CNE
também foi ocupada de forma inédita pela representante indígena Francisca
Novantino Pinto de Ângelo. Essas indicações foram uma promessa do ministro da
Educação, Paulo Renato Souza. Ele discute agora a possibilidade da adoção de
cotas nas universidades, um assunto polêmico (leia mais à página 52). É a favor
da medida, mas confessa que não resolve totalmente o problema da desigualdade.
Na Câmara dos Deputados tramita
outra proposta que envolve vagas de reserva. O Estatuto da Igualdade Racial, de
autoria do deputado Paulo Paim (PT), se aprovado, estabeleceria cotas para
negros em programas de TV, publicidade e universidades.
O sociólogo e professor Octavio
Ianni não se anima muito com as tais cotas. Segundo ele, ao mesmo tempo em que
representam uma conquista social, elas vêm no esteio do preconceito. "Por
que não dar condições econômicas para os negros para que eles se movimentem na
sociedade?", questiona.
Para Ianni, medidas como essa
servem apenas para reiterar a tese da "democracia racial". E esse
pensamento, de acordo com o sociólogo, é uma das maiores
"atrocidades" deste país. "O eufemismo é tão grande que, quando
se diz isso, os negros, índios e outros grupos acham que não podem reclamar de
sua situação porque estariam indo contra a democracia. Aquele artigo da
Constituição Brasileira, e de todas as constituições liberais, de que todos são
iguais perante a lei, não importando a cor, religião etc., revela um grande
cinismo da sociedade judaico-cristã", critica.
Ele acredita que "a fábrica
da sociedade" promove a desigualdade, e não o contrário, pois é dessa
forma que as elites permanecem no poder. "Quando se questiona a
desigualdade, se questiona a estrutura social", ensina. E conclui: "O
preconceito é uma técnica de dominação. Quando se define que o outro é
inferior, metade da guerra está ganha. A nossa sociedade é injusta e
cruel".
As ações afirmativas - sejam ou
não em forma de cotas - são imprescindíveis. O racismo e a pobreza se acentuam,
como os números e as histórias comprovam. Sem mudanças, o auriverde pendão
dessa terra continuará servindo de mortalha.
À moda brasileira
Nascido na República Democrática
do Congo, antigo Zaire, Kabengele Munanga, professor titular do Departamento de
Antropologia da USP, mora no Brasil há 27 anos. Organizador do livro Superando
o Racismo na Escola (MEC/1999), ele comenta que o racismo no país é evidente.
"Um negro que disser que nunca foi direta ou indiretamente discriminado é
um mentiroso. A não ser que tenha introjetado tanto a discriminação que não
perceba mais a sutileza", afirma.
Educação - Por que os números que
indicam a desigualdade racial entre brancos e negros, em vez de diminuírem com
o passar dos anos, permanecem os mesmos ou aumentam?
Kabengele Munanga - Isso é consequência
de nossa situação social, cuja característica são os vários tipos de exclusões,
uma delas racial. Além da herança da escravidão, tivemos um racismo à moda
brasileira que se estruturou. É um acúmulo de mais de 400 anos que o
desenvolvimento do negro se atrasou em relação aos demais brasileiros. Como
estamos vivendo num país racista, existem algumas barreiras que impedem o negro
de ter acesso a uma boa educação, à uma boa universidade, bom emprego, ganhar
bem para poder colocar o filho em escola particular. A diferença poderia
diminuir se você zerasse a situação racial. Mas como ela persiste, só tende a
aumentar.
Educação - A diferença entre
brancos e negros não é apenas socioeconômica?
Munanga - Não, isso já foi
desmitificado pelos institutos de pesquisa e pela academia - o próprio
presidente Fernando Henrique Cardoso pesquisou e sabe que isso existe. O
aspecto econômico traz o racial por trás. Por que o negro, depois de abolida a
escravidão, não conseguiu ascender socialmente? Por que ele é biologicamente
limitado? Não. Então a explicação sociológica ou antropológica é que ele
encontra barreiras raciais que bloqueiam sua mobilidade econômica. As pessoas
que fazem uma análise curta ou que não querem admitir a verdade dizem que é uma
questão apenas econômica, argumentando que, para o Pelé, todas as portas estão
abertas. Sabemos que não é bem assim.
Educação - Por que não vemos, no
Brasil, conflitos tão declarados entre brancos e negros, como nos EUA?
Munanga - Por causa do
modelo de racismo que se aplica no Brasil, que evita os conflitos abertos e
bloqueia a tomada de consciência por parte das vítimas para uma mobilização
social. A diferença é a seguinte: nos EUA o racismo foi institucionalizado.
Além disso, é acompanhado de segregação, isto é, impõe fronteiras espaciais que
determinam territórios de brancos e de negros, o que acentua a hostilidade,
pois não há tolerância. Aqui existe uma tolerância até certo ponto. O Brasil
foi ensinado a não dizer as coisas abertamente. O brasileiro não é educado para
falar para um negro: "Olha, neste restaurante você não entra porque aqui
negros são proibidos." Quando o negro chega, vão lhe dizer que naquele
restaurante só entra quem faz reserva com oito horas de antecedência. A pessoa
não toma consciência, não sabe que foi uma exclusão, uma discriminação, porque
foi sutil. Isso evita conflitos. Aqui nós damos a impressão de vivermos juntos,
mas de forma desigual. No campo de futebol, todos torcem juntos, vibram com os
mesmos ídolos, mas quando saem de lá, os bairros residenciais são segregados
economicamente, como dizem. Mas a base disso é racial. (APa)
O Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro
de São Gonçalo do Retiro, em Salvador, é um dos mais importantes terreiros de
candomblé do Brasil. Há quatro anos, sua sacerdotisa suprema, Mãe Stella de
Oxóssi, jogou os búzios, pedindo a apreciação de Xangô para um trabalho de
pesquisa que a historiadora Vanda Machado pretendia fazer junto aos 350 alunos
do ensino fundamental da Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, que está
instalada dentro do axé. E o orixá aprovou.
A pesquisa rendeu à historiadora
uma tese de mestrado - Ilê Axé: Vivências e Invenção Pedagógica - As Crianças
do Opô Afonjá, que foi lançada em livro pela editora da Universidade Federal da
Bahia - e a escola ganhou um novo projeto pedagógico, que hoje está em seu
quarto ano de aplicação. O projeto se tornou referência nacional na valorização
da cultura afrodescendente.
"O que fizemos foi dar um
melhor tratamento à história dos povos africanos. Aqui, aprende-se sobre eles
na mesma medida em que se conhece a cultura dos gregos ou fenícios",
explica Vanda. O Opô Afonjá foi fundado em 1910 e integra o Patrimônio
Histórico Nacional. Além da escola, cujo nome é uma homenagem à sua fundadora,
Mãe Aninha, possui também os espaços reservados aos cultos e construções
dedicadas aos orixás, um museu, uma pequena floresta e 30 casas onde vivem
famílias - algumas com até dez filhos - adeptas do candomblé.
Todos os alunos da escola - com
raras exceções - são afrodescendentes. Como não é a religião quem dita a linha
pedagógica, a escola não encontrou resistência junto aos pais que não são
adeptos dos cultos africanos. "Eles aprenderam logo que nós não fazemos
proselitismo", explica a historiadora. O compromisso é com a diversidade:
nas aulas sobre democracia, além do conceito tradicional, os professores falam
do episódio da Revolta dos Alfaiates e aproveitam um mito de Iansã para tratar
o tema. "Logo, as crianças ficam sabendo que democracia não é um conceito
apenas ocidental."
Nesse trabalho, o mais
importante, revela Vanda, é a formação do professor, que precisa saber lidar
com as diferenças. "O não-racismo é quando o educador vê uma criança como
uma possibilidade. Se o estudante aprende pouco é porque ensinamos pouco."
A historiadora afirma que já
passou da hora de sociedade e universidade tratarem melhor a cultura negra, e
usa o exemplo da Bahia. "Aqui somos uma população de 80% de afrodescendentes.
Nossa memória coletiva é africana." E para ilustrar a necessidade de se
"(re) conhecer" essa ascendência, Vanda Machado cita Sankofa, um
ideograma que mostra um pássaro que tem a cabeça voltada para trás e significa
"aprender com o passado e construir suas fundações sobre ele." (APa)
É obrigação das universidades
públicas deste país discutir a questão de cotas para minorias. A sociedade está
pedindo uma resposta e a universidade tem que dá-la. “A indiferença em discutir
esse assunto é pior do que a segregação.” A afirmação, cujo tom lembra o dos
candidatos presidenciáveis apresentando suas propostas para a educação, vem de
Carlos Augusto Moreira Jr., reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A UFPR ainda não decidiu se vai
adotar ou não o sistema de cotas para negros, no entanto, desde o início deste
ano, estuda a possibilidade em seminários e reuniões. O reitor promete que em
breve sairá o resultado desses estudos e discussões. "Quando você diz não,
pelo menos a outra parte tem a resposta. Mas essa indiferença, esse marasmo em
tomar uma atitude é pior", avalia. Uma primeira medida contra isso já foi
adotada: este ano, a UFPR abriu um cursinho pré-vestibular gratuito para alunos
negros carentes.
Se no Paraná o assunto está sendo
discutido, antes de qualquer tomada de decisão, no Rio de Janeiro, a
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade do Norte
Fluminense não tiveram tempo para refletir sobre o tema, e foram obrigadas a se
adequar rapidamente à lei nº 3.524, sancionada no ano passado e que estabelece
reserva de até 40% das vagas para negros nas instituições estaduais de ensino
superior.
A medida já está sendo aplicada
no vestibular de 2003, cuja primeira fase se encerrou no último dia 18 de
agosto. A segunda parte das provas acontecem em dezembro, nos dias 2 e 15. E é
aí que o sistema de cotas entra. Os candidatos que passaram para a segunda fase
receberam, junto com a ficha de inscrição, um documento em que podem ou não se
declararem negros para serem beneficiados com a medida.
"Foi difícil definir quem
são pretos e pardos. Quando a lei foi aprovada, a Secretaria Estadual de
Ciência e Tecnologia estudou a questão para definir quais seriam os critérios
utilizados pelas universidades, mas não se chegou a nenhuma conclusão",
explica Sônia Wanderley, do departamento de seleção acadêmica da Uerj. Ela
completa: "São os próprios candidatos que têm que se identificar como
negros.”.
A pergunta inevitável: e se um
aluno branco se declarar negro e for beneficiado com as cotas? "A
universidade não tem instrumentos para evitar esse tipo de fraude. Se
acontecer, o que pode ser feito é um outro aluno entrar com uma representação
contra o colega fraudador. Aí, a coisa vai parar na justiça", adianta
Sônia.
Carlos Lessa, reitor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um dos principais defensores
da tese de que o sistema de cotas, tal como está sendo apresentado, é
discriminatório: "Sou favorável a cotas sociais, mas descarto as cotas
raciais." Ele acredita que, se o Brasil enfrentar a questão, "poderá
viver em uma sociedade civilizada e sem preconceito". Lessa pondera, no
entanto, que é contra as cotas, apesar de saber que "com frequência, as
frações mais empobrecidas da população brasileira são de afrodescendentes,
afro-brasileiros."
A polêmica também divide os
candidatos à Presidência da República. No programa de Ciro Gomes e Anthony
Garotinho não existe a reserva de cotas. A justificativa do candidato do PPS é
que "a principal discriminação no Brasil é contra o pobre". Já
Garotinho explica que o "apartheid educacional brasileiro é de natureza
socioeconômica e pode ser atenuado com educação básica de boa qualidade para
todos". José Serra aposta num debate mais amplo para se chegar a "um
consenso" e Luiz Inácio Lula da Silva é a favor da criação de formas de
acesso ao ensino superior de grupos historicamente discriminados.
Por essas e outras é que foram
criados dois conselhos estaduais para pensar novas soluções para o sistema de
cotas - não só para negros como também para alunos de escolas públicas - que
agora está em discussão. "A universidade não foi chamada para conversar
sobre o tema, coube a nós apenas implementar a lei", desabafa Sônia. Hoje,
a maior preocupação das instituições é estudar formas de como manter os alunos
de vagas de reserva nas salas de aula. "Partimos do pressuposto de que são
pessoas carentes, que têm de trabalhar para ajudar nas despesas de casa, e sem
muito tempo para estudar. Estamos buscando condições para mantê-los na
universidade, com qualidade."
A presidente do Geledés e
coordenadora do projeto Geração XXI, Maria Aparecida da Silva, Cidinha,
acredita que essa polêmica é infrutífera. A educadora afirma que os jovens
negros não precisam se sentir desconfortáveis com a medida. "É necessário
dizer que o vestibular será o mesmo, as provas serão as mesmas, e as pessoas
que se autoclassificarem como negras (pretas e pardas de acordo com o IBGE)
terão a possibilidade de optar por terem ou não a sua prova avaliada dentro do
sistema de cotas. Aqueles que não quiserem se beneficiar com o sistema de cotas
podem optar pela forma de avaliação atualmente em vigor", lembra.
A opinião do professor Kabengele
Munanga é semelhante, e ele cita o exemplo de sua própria família. "Sou
professor universitário e meus filhos, negros, estudaram em escola particular.
Não vejo por que eles - que são privilegiados por terem tido boa formação e
passaram por um cursinho de boa qualidade - sejam beneficiados pelas cotas. É
preciso cruzar os critérios racial e econômico", avalia.
Munanga esclarece que o sistema
de cotas não compromete o nível de ensino das universidades, como muitos
críticos da medida acreditam. "As pessoas não serão sorteadas. Apesar de a
medida garantir uma porcentagem das vagas, os alunos pobres e negros vão passar
pela seleção do vestibular, e os melhores é que vão entrar. Pode haver
desnível, mas a universidade tem condições de dar uma formação complementar
para esses estudantes." (APa)
Preto no branco
A prática de racismo, de acordo
com a Constituição Federal, constitui crime inafiançável e imprescritível. Mas,
segundo a lei 7.716, de janeiro de 1989, que define crimes resultantes de
preconceito de raça ou cor, a pena para quem incitar praticar ou induzir
discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional é de um a
três anos de reclusão.
Em junho passado, a mãe de um
aluno negro da segunda série do ensino fundamental da Escola Estadual Francisco
de Assis Reys, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, registrou queixa
contra a professora Maria Erci, acusando-a de discriminação. A mãe do
estudante, temendo represálias ao filho, prefere não revelar seus nomes.
O caso, que foi encaminhado pelo
Ministério Público de São Paulo à Vara da Infância e Juventude, se refere a um
exercício de caligrafia que a professora passou aos estudantes, com suposto
conteúdo racista. A atividade contava a história de uma família
"colorida" sendo assaltada por um homem preto. O pai azul reage e
chama a família inteira para "bater no preto".
A diretoria da escola não se
pronuncia sobre o assunto. A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de
Educação informa que foi aberta uma sindicância para apurar o fato. "Ficou
constatado que não houve ato intencional de discriminação por parte da
professora. Apenas foi recomendada uma análise mais criteriosa dos textos antes
de serem passados aos alunos", afirma a assessoria.
Casos como o da escola Francisco
de Assis Reys não são raros. O jurista Antonio Carlos Arruda, presidente do
Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São
Paulo, revela que o órgão recebe, no mínimo, uma denúncia por mês, a maioria
envolvendo instituições de ensino públicas, municipais ou estaduais.
Para Arruda, a lei 7.716 é
eficiente e o número de pessoas que recorrem a ela tem crescido na mesma medida
que a discussão racial. "Pais de alunos negros nos procuram para se
informar sobre como agir em casos de preconceito, no entanto, muitas denúncias
ainda não prosperam porque os pais temem que o filho possa ser perseguido
posteriormente pelos acusados", informa Arruda. (APa).
Escola para escolarizar e também humanizar
A pesquisadora acredita na educação com relações
étnico-raciais para um ensino concreto e que esteja com os alunos / Fotos:
Divulgação
|
Derrubando os muros que separam a
escola da realidade cotidiana, a doutora e mestra em educação Vanda Machado
decidiu levar para jovens da Bahia uma proposta de aprendizagem diferente.
Motivada pela insatisfação com a sua própria vida escolar, a baiana deu início
ao projeto Irê Ayó, que leva às escolas estaduais e municipais a cultura
afro-brasileira, diretamente ligada ao cotidiano de tantos jovens no estado.
“O projeto nasceu da ideia de
fazer uma escola diferente da que eu estudei. Seria uma escola que pensa a
pessoa, que acolha a pessoa, e que não fosse apenas para escolarizar, mas que
também tivesse uma meta de educação para a vida e para o cotidiano”, explica
Vanda.
Aproximando o ensino acadêmico da
educação com relações étnico-raciais, o Irê Ayó tem como objetivo estimular a
valorização da produção do conhecimento e das manifestações das matrizes
culturais indígenas e africanas, que de alguma forma se fazem presentes na
memória coletiva das comunidades e que funcionam como uma espécie de princípios
para a construção de identidade, autoestima e convivência solidária.
O projeto também atua na formação de professores e
profissionais da educação, sempre com o intuito de integrar a sociedade.
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Caminho de alegria
“Irê Ayó significa ‘caminho de
alegria’, e para que esse caminho de alegria aconteça de fato é preciso que o
jovem esteja presente em sua educação”, defende a doutora especializada em
educação pela cultura.
Apesar dos 20 anos de atuação
frente ao projeto, Vanda diz que o processo de reconhecimento da criança,
especialmente as afrodescendentes, como agente social ainda é lento, sendo
influenciado também pela carga histórica brasileira, que precisa ser repensado
por todos.
“É preciso compreender que a
história do Brasil não começou com a chegada das caravelas de Portugal. Antes
disso existem os primórdios da cultura africana, de onde partem conhecimentos
de arquitetura, medicina, cosméticos e inclusive as primeiras universidades. É
preciso compreender que negro não é problema para a sociedade”, pontua.
Para conferir a entrevista
completa, acesse a área doArte Social.
Manuscritos do Timbuktu, do deserto para a net
Graziella Beting
A lendária civilização do Timbuktu, no Mali, está mais perto de ser desvendada por curiosos e pesquisadores de sua história. Os importantes manuscritos do Timbuktu, datados dos séculos XV a XIX e descobertos nos últimos anos, estão sendo digitalizados e colocados na internet.
Os manuscritos, que versam sobre ciências, astronomia, história, matemática, medicina, botânica, literatura e religião, foram trazidos pelos diversos viajantes que passaram por Timbuktu nos séculos passados. A cidade, que se tornou um importante centro cultural entre os séculos XV e XIX, foi fundada como entreposto comercial nos anos 1000. Situada no ponto de encontro de caravanas que iam do Sudão ocidental ao Magreb, a cidade foi incorporada ao Império Songhai em 1468, quando viveu sua fase de maior expansão cultural. No século XVI, sua universidade chegou a ter 25 mil alunos – para uma população de 100 mil habitantes.
Durante o período colonial, as famílias de Timbuktu, que tinham o hábito de colecionar bibliotecas particulares constituídas por manuscritos em pergaminho, decidiram esconder seus livros, para evitar a pilhagem. Por isso, as obras passaram os últimos séculos escondidas. Os manuscritos foram enterrados, escondidos no fundo de poços ou levados para longe, em grutas ou no deserto do Saara. Desde 1964, a UNESCO lançou um apelo para recuperar e reunir esse precioso acervo. A partir dos anos 90, parte dele começou a aparecer (cerca de 200 bibliotecas particulares), e vem sendo alvo de projetos de preservação e conservação. A digitalização é uma solução para a preservação dos originais, já que muitos deles, pela ação da areia, umidade e sol, estão tão frágeis que não podem ser manuseados.
Aos poucos, esses manuscritos digitalizados estão sendo colocados na internet. Os primeiros já estão à disposição de pesquisadores credenciados no site www.aluka.org.Até o fim deste ano o site pretende disponibilizar 300 manuscritos. O projeto está sendo realizado por uma parceria entre instituições do Mali, da África do Sul e dos Estados Unidos.
A Senhora das águas doces e da beleza
Era uma vez lá na África, há
muitos e muitos anos, vivia uma senhora chamada Oxum. Oxum, a
conhecida senhora das águas doces. Mulher muito elegante e vaidosa gostava de
tudo que era bonito: belas roupas, bonitos penteados, perfumes, e tinha paixão
por joias. Atenta à sua beleza estava sempre admirando sua beleza no espelho.
Quando amanhecia o dia, Oxum já
estava mergulhando no rio, banhando-se para enfeitar-se com suas joias. Na
verdade, antes mesmo de lavar as suas crianças, ela lavava as joias.
Mas um dia, que surpresa
desagradável! Oxum acordou, levantou-se com o primeiro raio do sol e
quando destampou o baú das joias, ele estava vazio. Não havia uma só peça. O
que teria acontecido? Oxum botou a mão na cabeça. Andava de um lado
para outro enquanto pensava: quem levou minhas joias?
Assustada ela chorava muito. Deu
uma volta em torno da casa e pode ver dois homens que se afastavam correndo.
Cada um deles levava um saco que, com certeza, eram suas joias. Oxum pensou
rápido: – eu preciso agir. Ela pensou logo e executou.
Foi à cozinha, pegou uma
quantidade d feijão fradinho, amassou bem e colocou numa panela. Ali
acrescentou cebola amassada e uma boa quantidade de camarão seco, pisado no
pilão. Por fim ela botou também "epô", (azeite de dendê) e misturou
tudo até que se transformou numa massa bem gostosa.
Enrolou pequenas porções em
folhas de bananeiras passadas no fogo. Arrumou tudo numa panelinha e cozinhou.
Depois de cozida esta gostosa
comidinha, ela arrumou tudo no tabuleiro bem bonito e saiu em busca dos
ladrões, cantando para espantar as suas preocupações.
Não foi difícil. Ela sabia
exatamente por onde eles iam passar. Sentou-se com tranquilidade, esperou os
dois ladrões. Não tardou, eles apareceram cumprimentando Oxum na
maior desfaçatez.
- Kuwaró! (bom dia).
- Kuwaró ô! (bom dia).
- Que belo dia! Que bom encontrar
companhia por aqui. Como estamos contentes de encontrar a senhora.
- Ótimo. Então vamos parar de
conversar um pouco. Querem comer? Hoje fiz uma comida de minha predileção. Wa
unjeum? (convite para refeição).
- Hum… Bem que a gente estava
sentindo esse cheio tão bom!
Os homens entreolharam-se
confiantes e falaram baixinho:
- Esta senhora é tão bonita… mas
parece muito bobinha.
- Pois é, nós tiramos todas as
suas joias, e ela ainda quer dividir a sua comida com a gente. É tola mesmo.
Os homens não esperaram outro
convite e avançaram nos abarás e comeram sem a menor cerimônia, até caírem
adormecidos um para cada lado.
Ai neste momento, Oxum aproveitou,
tomou os dois sacos cheios de brincos, colares, anéis, pentes, pulseiras e
prendedores de cabelo. Ela pegou tudo rápido, enfeitou-se toda e saiu
cantando pelo caminho de volta para sua casa.
Iya omi bu odomi ró Orixá ó le le
Iya omi bu odomi'ó Orixá o le le
E ó be rê o o be rê o
O iná be ko ina ina
PETROVICH, Carlos & MACHADO,
Vanda. Irê Ayó: Mitos Afro-brasileiros - Salvador: EDUFBA, 2004 p.73
Projeto vai capacitar professores no ensino das relações étnico-raciais
Visando a aplicação da Lei
11.645/08, que determina a implementação da Educação das Relações
Étnico-Raciais e o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas
públicas e particulares, o projeto Irê Ayó - Caminho da alegria - vai capacitar
200 professores da rede estadual de ensino da Bahia. A iniciativa é da
Secretaria de Cultura do Estado (Secult-BA), em parceria com a Secretaria de
Educação do Estado (Sec) e da Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da
Cultura.
O curso será realizado em 20
comunidades quilombolas de oito territórios de identidade baianos: Pitanga dos
Palmares, São Francisco do Paraguaçu, Santiago do Iguape, Catuzinho, Várzea
Grande, São Braz, Enseada, Quilombos de Ilha de Maré, Cachoeira da Várzea,
Mulungu, Segredo, Lagoa de Melquíades, Quenta Sol, Baixão, Laranjeira, Garcia,
Tuuaçu, Jibóia e Coqueiro.
Para realizar a inscrição no curso, os líderes de cada quilombo devem indicar os educadores interessados na formação. Ela será ministrada em 30 horas durante um fim de semana. Os alunos terão aulas de raça, gênero, etnia, sexualidade, direitos humanos, história da África e do Brasil, além da relação entre a cultura Afra Descendente e Africana. A coordenadora do curso é Vanda Machado, da superintendência de Cultura da Secult.
Projeto - O projeto Irê Ayo inclui levantamento de informações das manifestações culturais existentes nas comunidades quilombolas, cujo princípio é a celebração da vida entrelaçada pela história, tradição e memória ancestral. A compreensão das questões na atualidade é levada em conta, o que resulta num fortalecimento da identidade coletiva. No final do curso, os dados levantados serão utilizados para a busca de políticas públicas em educação.
A iniciativa do curso visa garantir o respeito às diferenças e à valorização da ancestralidade afrodescendente, por meio da formação de sujeitos autônomos, solidários e coletivos.
Lei 11.645/08 - A lei sancionada em março de 2008 modifica a lei de número 10.639, de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".
A lei de 2008 torna obrigatório nos estabelecimentos oficiais, públicos e privados de ensino fundamental e médio o estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena. A lei obriga também que o estudo da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena façam parte do currículo como assuntos transversais, contribuindo para a interdisciplinaridade.
Para realizar a inscrição no curso, os líderes de cada quilombo devem indicar os educadores interessados na formação. Ela será ministrada em 30 horas durante um fim de semana. Os alunos terão aulas de raça, gênero, etnia, sexualidade, direitos humanos, história da África e do Brasil, além da relação entre a cultura Afra Descendente e Africana. A coordenadora do curso é Vanda Machado, da superintendência de Cultura da Secult.
Projeto - O projeto Irê Ayo inclui levantamento de informações das manifestações culturais existentes nas comunidades quilombolas, cujo princípio é a celebração da vida entrelaçada pela história, tradição e memória ancestral. A compreensão das questões na atualidade é levada em conta, o que resulta num fortalecimento da identidade coletiva. No final do curso, os dados levantados serão utilizados para a busca de políticas públicas em educação.
A iniciativa do curso visa garantir o respeito às diferenças e à valorização da ancestralidade afrodescendente, por meio da formação de sujeitos autônomos, solidários e coletivos.
Lei 11.645/08 - A lei sancionada em março de 2008 modifica a lei de número 10.639, de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".
A lei de 2008 torna obrigatório nos estabelecimentos oficiais, públicos e privados de ensino fundamental e médio o estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena. A lei obriga também que o estudo da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena façam parte do currículo como assuntos transversais, contribuindo para a interdisciplinaridade.
Mitos africanos dão a base para projeto pedagógico
O projeto Irê Ayó, elaborado pela professora Vanda Machado, fez da Escola Eugênia Anna dos Santos, referência no cumprimento da Lei 11.645/08.
Cleidiana Ramos
Na turma do quinto ano da Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, situada no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá,Doudou Rose Thioune, natural do Senegal, explica o que é um griô, nome que se dá ao guardião das tradições orais nas sociedades africanas. São eles que cantam, dançam e celebram em ocasiões importantes do dia-a-dia. A aula é uma demonstração de como na escola o ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira não é apenas o cumprimento da Lei 11.645/08, mas base pedagógica.
A partir dos mitos africanos, são ensinados os conteúdos de português, matemática, geografia, história, dentre outros. A proposta segue um modelo elaborado pela doutora em Educação Vanda Machado, implantado na Eugênia Anna dos Santos a partir de 1999.
O projeto Irê Ayó fez da escola referência, antes mesmo da aplicação da Lei ter se tornado uma ação oficial do município de Salvador, em 2005.
“Falar da África e da cultura afro-brasileira aqui é falar do cotidiano. Exploramos as várias possibilidades dos conteúdos“, diz a coordenadora pedagógica da escola, Alexsandra Oliveira.
Criatividade Para desenvolver o conteúdo, a professora do 1º ano Claudia Castro montou um mural ao lado dos alunos. A peça foi crescendo e incorporando novos elementos à medida que o estudo avançava. A partir daí, toda a evolução das discussões sobre questões comoas razões e os impactos da falta de água ou catástrofes naturais associadas a ela foi sendo apresentada.
Nas aulas de matemática, os números foram memorizados por meio das figuras de peixinhos em uma lagoa. “Esta escola escolhe a gente. É uma energia muito forte que envolve quem trabalha aqui“, diz a professora.
Na aula coordenada pelo convidado Doudou Rose Thioune, os alunos da professora Altamira Freitas aprenderam cantando e dançando aspectos sobre a cultura do Senegal. Em um determinado momento, os meninos, liderados por Doudou, estavam cantando em língua wolof.
“Esta é a língua mais popular no Senegal e um tipo de código que abrange expressões presentes em vários outros dialetos”, explicou Doudou.
A aula dada por ele é um tipo de atividade comum na escola e tem agradado e animado também às crianças.
“Aqui é bem legal e diferente da outra escola em que eu estudei. Gosto muito de ser aluna daqui”, afirmou Vitória Regina, 11 anos.
Fonte: Jornal A Tarde de 31 de maio de 2010
Doutora em educação planeja escola com realidade cotidiana
Derrubando os muros que separam a
escola da realidade cotidiana, a doutora e mestra em educação Vanda Machado
decidiu levar para jovens da Bahia uma proposta de aprendizagem diferente.
Motivada pela insatisfação com a sua própria vida escolar, a baiana deu início
ao projeto Irê Ayó, que leva às escolas estaduais e municipais a cultura
afro-brasileira, diretamente ligada ao cotidiano de tantos jovens no estado.
"O projeto nasceu da ideia
de fazer uma escola diferente da que eu estudei. Seria uma escola que pensa a
pessoa, que acolha a pessoa, e que não fosse apenas para escolarizar, mas que
também tivesse uma meta de educação para a vida e para o cotidiano",
explica Vanda.
Aproximando o ensino acadêmico da
educação com relações étnico-raciais, o Irê Ayó tem como objetivo estimular a
valorização da produção do conhecimento e das manifestações das matrizes
culturais indígenas e africanas, que de alguma forma se fazem presentes na
memória coletiva das comunidades e que funcionam como uma espécie de princípios
para a construção de identidade, autoestima e convivência solidária.
Caminho de alegria
"Irê Ayó significa 'caminho
de alegria', e para que esse caminho de alegria aconteça de fato é preciso que
o jovem esteja presente em sua educação", defende a doutora especializada
em educação pela cultura.
Apesar dos 20 anos de atuação
frente ao projeto, Vanda diz que o processo de reconhecimento da criança,
especialmente as afrodescendentes, como agente social ainda é lento, sendo
influenciado também pela carga histórica brasileira, que precisa ser repensado
por todos.
"É preciso compreender que a
história do Brasil não começou com a chegada das caravelas de Portugal. Antes
disso existem os primórdios da cultura africana, de onde partem conhecimentos
de arquitetura, medicina, cosméticos e inclusive as primeiras universidades. É
preciso compreender que negro não é problema para a sociedade", pontua.
Projeto Irê Ayó propõe educação valorizando cultura Afro
A coordenadora do Projeto Irê Ayó (educação para as relações étnico-raciais), Vanda Machado, apresentou em audiência pública, presidida pelo deputado estadual Bira Corôa (PT), o empenho da Secretaria de Cultura (Secult) em projetos que vislumbram a cultura e a educação. O debate promovido pela Comissão de Promoção da Igualdade na Assembleia Legislativa discutiu a importância e diretrizes do Projeto no processo de pedagogia com olhar africano na educação de jovens negros.
Segundo Vanda Machado, Irê Ayó significa “caminho da alegria” traduzido do Iorubá. O objetivo do Projeto consiste em proporcionar o reconhecimento e valorização da história, cultura do lugar e manifestações culturais, como formas de convivências solidárias estruturantes. “O estado deve assegurar efetivamente, a reparação de danos psicológicos, materiais, políticos e educacionais sofridos com o regime escravista”, disse a coordenadora do Irê Ayó.
A coordenadora citou em sua fala, as leis 10.639/03 e 11.645/08, que buscam combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros e indígenas. “Trata-se de uma política curricular instituída em dimensões históricas, sociais que estão na origem da realidade brasileira”, completou Vanda Machado.
Seguindo a temática do debate, o professor Antônio Cosme, representante do Terreiro do Cobre, disse que só a partir da década de 30, a educação contemplando a população negra, começa a ser pensada. Antes disso, o Estado Brasileiro proibia qualquer tipo de escolaridade à classe escravizada da época.
Ainda segundo o professor, a lei 10.639/03 passa a resultado de uma luta histórica contra a preservação do conhecimento acadêmico preservado pela elite brasileira. “Um dos desafios que a lei aponta, consiste no entendimento do processo e compreensão da diversidade, com valor agregado ao conhecimento”, afirmou professor Cosme.
Encerrando o debate, o deputado Bira Corôa destacou a transformação da sociedade a partir do conhecimento e da necessidade de projetos afirmativos inclusivos, capazes de enfrentar a realidade que vivemos. O deputado disse também, que dentro do contexto do ensino, o racismo e o culto a inferioridade e baixo estima nas comunidades tradicionais, ainda são muito fortes. “Como educadores somos instrumentos de cidadania”, completou Bira Corôa.
Fonte: http://www.biracoroa.org.br/
Quilombos foram determinantes para preservar cultura negra
Mariana Costa/UnB Agência
|
Para pesquisadores presentes em encontro que trouxe
estudos sobre rotas de escravos
e ritos religiosos, comunidades remanescentes exercem até hoje papel importante de construtores da memória do povo africano.
Luciana Barreto - Da Secretaria de Comunicação da UnB
e ritos religiosos, comunidades remanescentes exercem até hoje papel importante de construtores da memória do povo africano.
Luciana Barreto - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Um perfil adequado do papel das
culturas africanas e da presença afrodescendente na formação do Brasil e da
identidade nacional ainda merece atenção, investigação e conhecimento. Com essa
afirmação, o professor Rafael Sanzio dos Anjos, coordenador do Centro de
Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília, expôs
a importância do colóquio Geopolítica e Cartografia da Diáspora África -
América – Brasil, que prossegue até esta sexta-feira, 29 de junho. Com a
participação de militantes e especialistas, a África, o território e a
geopolítica colonial do Brasil, bem como os espaços africanizados no Brasil e
suas referências de resistência, sobrevivência e reinvenção foram debatidos
nesta terça-feira, 27 de junho. “Essa é uma questão estrutural ainda pendente
no Estado brasileiro”, ressalta Sanzio. O Mapa Educacional: Geopolítica da
Diáspora África-América-Brasil, de sua autoria, foi lançado ao final do
encontro.
O antropólogo e professor da
Universidade Federal Fluminense, Milton Guran, aproveitou o evento para expor o
que chama de rota dos escravos, “as cem localidades mais representativas da
maior tragédia de diáspora forçada da história” – iniciativa da Unesco que
registra os lugares-chaves para a memória da cultura negra brasileira. Elaborado
sob sua coordenação, o documento "Inventário dos lugares de memória do
tráfico atlântico de escravos e da história de africanos escravizados no
Brasil" integra o projeto da Unesco "Rota dos Escravos, resistência,
herança e liberdade". Iniciada em 1993, a proposta é conferir visibilidade
aos estudos e pesquisas sobre o tráfico negreiro no mundo e suas marcas na
formação de nações. Guran explica que o inventário não é exaustivo, comportando
ainda sugestões de locais emblemáticos de chegada dos africanos, como portos,
cais, praias, quilombos, marcos de revoltas, irmandades, terreiros e outros
espaços de culto e tradição afro. Apesar de o Brasil possuir a segunda maior
população negra do mundo, perdendo somente para a Nigéria, o país foi um dos
últimos a aderir à iniciativa.
CANDOMBLÉ – Após saudar os orixás, reverenciando com uma
cantiga de Oxalá seus ancestrais, a educadora e historiadora Vanda Machado, do
terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, trouxe reflexões sobre o universo afrorreligioso
brasileiro, falando sobre o candomblé, a umbanda e os espaços sagrados desses
cultos e ritos. “O africano foi arrancado de sua terra, de seu lar. É mais que
natural e legítimo a busca pelas origens, pela ancestralidade.”, disse,
constatando a exclusão dos povos tradicionais de terreiro das políticas
públicas e defendendo que a coordenação de políticas públicas para o povo negro
se transforme em secretaria.
Mariana Costa/UnB Agência
|
OUTRA ÁFRICA – A forçada, violenta diáspora dos africanos para
o Brasil, após a travessia do Atlântico, trouxe a necessidade de estes se
refazerem e se reinventarem em um território, de início, inóspito e
desconhecido. Com essas considerações, a professora Zélia Amador, da
Universidade Federal do Pará, destacou o quanto esses territórios, em especial
os quilombos, vêm sendo ressignificados tanto para conservar a memória dos
negros quanto na luta por uma sociedade efetivamente livre e sem discriminação
racial. Para a professora, essa resistência vem ganhando força, sendo
atualizada a cada dia, aproveitando para criticar “o mito da mestiçagem”
trazida pela República: “política de apagamento dos negros e índios em nome de
uma hegemonia branca, quase uma forma de genocídio dessas raças”.
A visita de dez comunidades
maranhenses de quilombolas a Cabo Verde e Guiné Bissau, projeto financiado pela
União Europeia, foi apresentada pela professora da UnB, Glória Moura, para
marcar “o recorrente movimento de regresso às origens e a importância de se
conhecer os trajetos da escravatura”. Segundo avalia, “o brasileiro, em geral,
não quer saber de suas origens africanas e isso precisa mudar”. Para Glória, “é
fundamental que as políticas públicas de educação confiram mais ênfase à
cultura negra”. Como exemplo, citou as diretrizes curriculares nacionais para a
educação escolar quilombola, processo ainda em curso. A iniciativa institui a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro brasileira e africana nos
currículos das escolas públicas e privadas da Educação Básica. A resolução foi
tomada na Conferência Nacional de Educação, em 2010. “Somente assim
recuperaremos e reforçaremos a verdadeira identidade brasileira”, conclui.
BRASIL E SENEGAL - Por fim, a embaixadora do Brasil no
Senegal, Maria Elisa Luna, encerrou o colóquio, declarando-se absolutamente
afinada e identificada com a cultura africana e defendendo o engajamento de
todos os brasileiros em suas origens. De acordo com a diplomata, “o olhar
precisa mudar, pois os países africanos são muito mais que meros territórios de
negros e, sim, nações extraordinárias, cruzamentos de várias civiliações. São
países que não querem ser vistos como guetos, mas como uma interessante e rica
parte do mundo”. Após morar em diversos países na Europa e na
América, contou que foi na África que encontrou seu porto: “ali experimentei o pertencimento”, aproveitando para recomendar que “cada um de nós pode inventar sua narrativa, guiar o seu caminho em direção à África”.
América, contou que foi na África que encontrou seu porto: “ali experimentei o pertencimento”, aproveitando para recomendar que “cada um de nós pode inventar sua narrativa, guiar o seu caminho em direção à África”.
Textos: UnB Agência. Fotos: nome do fotógrafo/UnB
Agência.
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